JACKSON, DIEHL, THE WASHINGTON POST – O Estado de S.Paulo

A coisa mais assustadora na questão da Síria, do ponto de vista do Ocidente, talvez seja a enorme discrepância entre as hipóteses que estão sendo levantadas pelas mais altas autoridades a respeito do que poderá ocorrer depois, além das frágeis estratégias que eles apresentam para impedir o desastre.

No governo de Barack Obama, agora, a Síria é comparada por alguns a uma segunda Somália – só que no Oriente Médio e com o terceiro maior estoque mundial de armas químicas. Recentemente, um funcionário descreveu um futuro a médio prazo no qual a guerra civil se tornaria um conflito generalizado no qual as forças sunitas combateriam os curdos e cada um dos lados se confrontaria com os remanescentes alauitas do Exército de Bashar Assad.

O ramo da Al-Qaeda, conhecido como Jabhat al-Nusra, conseguiria o controle de partes consideráveis do país e o perigo representado pelas armas químicas não se restringiria a sua utilização pelo regime, mas também a qualquer outra força que se apoderasse de um depósito desse tipo de armamentos.

Na semana passada, um funcionário francês de alto escalão em Washington deu sua opinião. Depois de perder uma batalha pelo controle de Damasco, Assad e suas forças realizariam uma retirada em duas fases. A primeira para a cidade de Homs, no centro do país e região na fronteira com o Líbano. A segunda, como último recurso, para o reduto alauita ao longo da costa setentrional da Síria.

Isto, provavelmente, não ocorrerá nas próximas semanas, de acordo com ele, mas, quem sabe, dentro de alguns meses. Como impedi-lo? Estados Unidos e França, juntamente com alguns aliados árabes e europeus, se encontrarão mais uma vez, na semana que vem, em Marrakesh, no Marrocos. Eles esperam fortalecer a coalizão política da oposição constituída no mês passado, conhecida como Coalizão Nacional Síria (CNS), e o governo Obama, provavelmente, reconhecerá como governo legítimo da Síria. Muito se falará, daqui em diante, do Jabhat al-Nusra, que será acrescentado à lista de organizações terroristas do Departamento de Estado dos EUA.

Ninguém está convencido de que isto impeça a concretização desse cenário de pesadelo, principalmente porque a coalizão ainda não estabeleceu vínculos firmes e muito menos um comando ou controle sobre as dezenas de unidades rebeldes em luta em todo o país, embora, no fim de semana, a formação de um novo conselho militar rebelde tenha constituído um passo na direção certa.

Financiamento. A CNS recebe dinheiro da França e de alguns outros governos, mas os advogados do Departamento de Estado determinaram que os Estados Unidos não podem financiar diretamente organizações rebeldes. Enquanto isso, unidades da Al-Qaeda nadam em dinheiro, graças às contribuições vindas da Arábia Saudita e de outros países.

A visão dos EUA, no que se refere ao funcionamento de sua estratégia, depende de uma série extraordinária de acontecimentos improváveis. Em primeiro lugar, a eventualidade de a CSN conseguir controlar a maior parte das forças rebeldes. Depois, a de a Rússia ou de os dissidentes alauitas obrigarem Assad a sair. Depois, haveria negociações para fechar um acordo a respeito de um governo de coalizão.

Uma hipótese um pouco mais provável é que, com sorte, o regime de Assad entre logo em colapso em Damasco. No vazio resultante, a CSN obteria o reconhecimento da comunidade internacional, da maioria das forças rebeldes e a Síria seguiria o conturbado caminho da Líbia, com um governo fraco coexistindo com uma variedade de milícias – algumas das quais aliadas da Al-Qaeda. A diferença é que os terroristas e as armas que não fossem incluídos afetariam não o Mali ou algum país africano, mas Israel, Turquia, Iraque e Jordânia.

A razão principal de essa hipótese não ser tão factível é que, para Assad, para a elite alauita e para seu principal patrocinador, o Irã, o cenário de pesadelo do Ocidente parece bastante atraente. Melhor resistir em um enclave, concluirá a seita minoritária que governa o país, do que arriscar a aniquilação pelas mãos dos sunitas ansiosos por vingança. Melhor ser uma fonte de problemas em uma Síria anárquica, imagina o Irã xiita, do que ver um aliado estratégico passar para o bloco sunita da oposição.

Se a guerra na Síria seguir esse curso mais provável, de que maneira os Estados Unidos e seus aliados protegerão seus interesses? Aparentemente, as autoridades não têm nenhum outro plano as não ser esperar que essas hipóteses imaginadas não se concretizem.

Ação militar. O passo mais óbvio seria procurar que as forças que desfrutam da simpatia do Ocidente – as unidades convencionais de combatentes rebeldes – estivessem pelo menos tão bem armadas e equipadas quanto os alauitas e os jihadistas. No entanto, por enquanto, os EUA garantem o contrário, negando ajuda militar aos rebeldes seculares, enquanto os governos islamistas armam seus favoritos.

Quanto às armas químicas, a esperança do Ocidente é que Assad não pretenda seriamente utilizá-las, embora, segundo informes, suas forças tenham instalado os detonadores de gás sarin letal em bombas. Mas e se ele decidir utilizá-las?

O presidente Obama advertiu, na semana passada, que haverá “consequências”. Contudo, será que os EUA estão dispostos a deflagrar uma ação militar no caso de um ataque repentino com armas químicas? Se não estiverem, como será possível parar a atrocidade? Seguramente, o grupo de “amigos da Síria” não poderá responder a essas e a outras perguntas em Marrakesh. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

FONTE: O Estado de S. Paulo

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